Receita restringe ainda mais o IRRF de Estados e Municípios

por | 10 out, 2016 | Comentários, Imposto de Renda | 0 Comentários

Em julho de 2015 comentamos no blog da Open Treinamentos acerca de uma consulta com efeito vinculante publicada pela Secretaria da Receita Federal que nos deixou perplexos. Ela dizia respeito à interpretação dada pelo órgão fiscalizador acerca da retenção do Imposto de Renda realizada por Estados e Municípios.

Os artigos 157 e 158 da Constituição Federal asseguram a tais entes públicos o direito de se apropriarem do IRRF nos pagamentos de rendimentos efetuados pelos seus órgãos, autarquias e fundações.

Ocorre que, mais de 26 anos após a promulgação da Carta Constitucional, a Receita Federal tornou pública a interpretação de que o IRRF descontado por Estados e Municípios nos pagamentos a pessoas jurídicas não deve ser apropriado pelos respectivos entes, mas recolhido aos cofres da União.

Na Solução de Consulta Cosit nº 166/2015 a justificativa para adoção do entendimento estava baseada em interpretação nitidamente equivocada. A Receita Federal afirmou que apenas o IRRF nos pagamentos a pessoas físicas deveria ser apropriado pelo Estado ou Município, já que a CF/88 se referia à expressão “rendimentos”, que não se aplica às receitas obtidas por pessoas jurídicas.

Agora em 2016 uma nova decisão do órgão restringe ainda mais o direito dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois interpreta com maior rigor o texto constitucional. Trata-se da Solução de Consulta Cosit nº 139/2016, cuja ementa contém a seguinte conclusão, dentre outras:

“Pertence aos Estados o produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda incidente na fonte sobre rendimentos por eles pagos a seus servidores e empregados. Não pertence aos Estados o produto da arrecadação de Imposto sobre a Renda incidente na fonte sobre rendimentos outros por eles pagos a pessoas físicas ou jurídicas, que não os pagos a seus servidores e empregados. Esse entendimento produz efeitos retroativos, nos termos do Parecer Normativo Cosit nº 5, de 1994.”

Entendemos que a interpretação de ambas respostas está completamente equivocada por várias razões. A primeira delas diz respeito à falta de observância de uma regra básica de interpretação de leis segundo a qual “onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo”. Isso significa que, se a Constituição Federal de 1988 afirma que a retenção do Imposto de Renda pertence ao Estado ou ao Município nos pagamentos de rendimentos efetuados por seus órgãos, autarquias ou fundações, não pode o intérprete presumir que a expressão “rendimentos” se restringe tão somente aos pagamentos às pessoas físicas.

Se fosse intenção do legislador constitucional distinguir a natureza do rendimento seria necessário inserir no texto da lei restrição explícita nesse sentido. Porém a Receita Federal, fazendo menção ao Parecer PGFN/CAT nº 276, de 28 de fevereiro de 2014, que também interpreta a expressão rendimentos de forma restrita, entende se aplicar a apropriação do IRRF aos Estados e Municípios apenas àquilo que é pago à pessoa física.

Outro argumento importante é que, ao examinarmos o Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99 (Decreto nº 3.000/99), verificamos que a expressão rendimento é utilizada por diversas vezes na parte do texto que trata da tributação das pessoas jurídicas. Vejamos a título de exemplo o teor do seu art. 218:

“Art. 218.  O imposto de renda das pessoas jurídicas, inclusive das equiparadas, das sociedades civis em geral e das sociedades cooperativas em relação aos resultados obtidos nas operações ou atividades estranhas à sua finalidade, será devido à medida em que os rendimentos, ganhos e lucros forem sendo auferidos (Lei nº 8.981, de 1995, art. 25, e Lei nº 9.430, de 1996, arts. 1º e 55).” (Grifamos)

Na nova solução de consulta a RFB vai além e invoca o texto do art. 85, II, do Código Tributário Nacional, segundo o qual pertencem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “o produto da arrecadação, na fonte, do imposto a que se refere o artigo 43, incidente sobre a renda das obrigações de sua dívida pública e sobre os proventos dos seus servidores e dos de suas autarquias (Grifamos)

A partir daí, um novo parecer da PGFN quer concluir que a retenção de que trata os arts. 157 e 158 da CF/88 deve se restringir aos limites da disposição do CTN que, além de anterior à atual Carta Magna, ainda consta de norma hierarquicamente inferior.

Trata se portanto de interpretação equivocada que esperamos que seja retificada pelo órgão fiscalizador, embora estejamos cada vez mais desesperançosos quanto a isso. Muito provavelmente a questão será decidida em definitivo nos tribunais.

Ainda mais que, segundo a RFB, a retenção efetuada nos últimos anos nos pagamentos a pessoas jurídicas foi indevida e os Estados e Municípios têm que restituir à União o que lhe foi subtraído indevidamente, o que representaria um débito bastante expressivo para ser enfrentado no atual contexto de crise.

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